História alemã em forma de edifício - Tacheles
O século XX transformou o mundo ocidental como nenhum outro século e nele assistimos a mudanças tão rápidas e radicais que dificilmente se voltarão a repetir na História. No centro destas reviravoltas (por vezes dramáticas, por vezes louváveis) está a Alemanha e existe um edifício no centro de Berlim que sentiu o peso da História como poucos sentiram. Hoje chama-se Tacheles e é um dos centros culturais urbanos mais ativos do mundo.
Construido entre 1907 e 1908 em Mitte Berlin (no coração da cidade, perto de onde mais de 50 anos depois o muro passaria), o Friedrichstraßenpassage foi inaugurado durante o Império Alemão como uma casa dedicada ao comércio. Na altura da sua edificação, era o segundo maior do seu tipo na cidade e espelhava a prosperidade alemã com uma arquitetura moderna e elementos clássicos e góticos.
Contudo, os comerciantes instalados no edifício faliram pouco antes da Primeira Guerra Mundial e é desconhecida a utilização do atual Tacheles durante os anos da guerra (1914-1918). Após a derrota alemã, enquanto o edifício ainda era utilizado para fins comerciais, foram construídas duas caves (numa das quais se situa o atual Tresorraum).
Nos anos 30 o edifício foi usado por membros do partido nacional-socialista e chegou a ser o escritório principal da SS durante a Segunda Guerra Mundial - os prisioneiros de guerra franceses chegaram a estar encarcerados no sótão do prédio. Durante a Batalha de Berlim (1945), uma das caves foi inundada pelos nazis e ainda hoje permanece debaixo de água. Depois, durante a ocupação soviética de Berlim oriental, o edifício voltou a ser utilizado para comércio, mas a cave sobrevivente ficou sob a alçada do Exército Nacional do Povo (milícias da República Democrática Alemã).
Apesar do uso intenso do edifício ao longo das décadas, as obras de restauro foram inexistentes e, como o governo tinha planos para a construção de uma estrada que atravessava aqueles terrenos, foi agendada a sua demolição. Em 1980, a cúpula foi retirada e o cinema fechou, mas o resto da demolição do edifício estava prevista apenas para 1990.
No entanto, a 13 de Fevereiro de 1990 (dois meses antes da demolição e apenas quatro meses após a queda do muro de Berlim), o grupo artístico Künstlerinitative Tacheles ocupou o prédio (que estava vazio há meses), gerando a discussão acerca do valor histórico deste para a cidade de Berlim.
Hoje o Tacheles ainda não teve nenhuma obra de restauro (são visíveis as marcas da II Guerra), está pintado com graffiti coloridos e tem um jardim nas traseiras, onde os artistas expõem instalações durante o dia e abrem um bar-esplanada à noite. No interior, é um misto de pólo cultural cheio de vida urbana. Existem os estúdios dos artistas, um bar, uma discoteca, exposições, workshops, lojas de artesanato e muitos outros espaços que não podem ser descobertos numa só visita.
O antigo edifício do início do século tornou-se o símbolo da arte urbana em ebulição que se vive em Berlim: uma cidade que só conheceu a sua verdadeira liberdade há vinte anos e que, desde aí, se tornou um centro de mistura de culturas e uma metrópole em constante mutação. É uma cidade milenar mas, ao mesmo tempo, uma jovem que saiu há pouco da adolescência e que se transforma a cada dia na direção de uma maturidade cultural e de um encontro entre diferentes formas de ser e de estar.
Depois da ocupação do espaço (inspirado no movimento Okupa que floresceu um pouco por toda a Europa a partir dos anos 70), o Tacheles foi registado e desde 1996 a sua preservação e futuro são discutidos por políticos, sociólogos, arquitetos e artistas. No início dos anos 90, o curador Jochen Sandig foi responsável por aumentar o espaço e trazer artistas como Mark Divo e grupos de teatro como o DNTT para Mitte Berlin. Nos primeiros tempos os 9000 metros quadrados funcionavam também como albergue para muitos artistas.
Atualmente, o espaço que serviu de inspiração para o filme Good Bye Lenin! volta a estar em risco de desaparecer. O contrato de arrendamento da propriedade expirou no final de 2008 e desde aí o seu futuro é incerto. Pode fechar amanhã, mas os artistas trabalham como se não conhecesem (ou não se preocupassem) com a efemeridade do espaço. É aí que está a beleza daquilo que acontece todos os dias no Tacheles: um dia podemos acordar e ele já lá não estar (ironicamente, como um dia os habitantes de Berlim acordaram e o muro de Berlim já lá estava).
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