terça-feira, 18 de maio de 2010

Considerações sobre o ponto de onde se observa: Empire State Building

Aqui os estados têm apelidos. E a maioria mais de um, dois ou três. Os nomes geralmente derivam de riquezas naturais (Mother of Rivers, Colorado; Diamond State, Delaware), monumentos e momentos históricos importantes (Constitution State, Connecticut; Liberty Bell State, Pennsylvania), ou ainda uma característica da cultura e do povo daquela região em particular (Land of Infinite Variety, South Dakota; Land of the Red Man, Oklahoma). A Nova Iorque que conhecemos possui dois; um oficial (The Big Apple), e outro tradicional (The Empire State). E eu só fui descobrir o último depois de reparar nas placas dos automóveis, tão diversas e significativas. Para além de números e letras, um tributo aos lugares.
Demorei bastante tempo para visitar o Empire State Building em comparação com o restante das atrações e pontos de exclamação da cidade. Lembro-me da primeira vez em que passei em frente à lateral do prédio e todo aquele excesso cinza cortando o ar me roubou o fôlego e as imagens atraentes, quase inalcançáveis dos filmes que eu guardava com zelo. Um absurdo! Tomei por verdade que se tratava de uma ilusão, que o prédio não podia ser apenas mais um bloco de concreto, e fiquei calada para não desapontar quem quer que fosse - ou eu mesma. A verdade é que aquele não era um bom dia para tecer conclusões já que havíamos decidido descer a pé da rua 84th, na altura do Metropolitan Museum of Art, até o mercado financeiro - Wall Street. E portanto, quando cruzamos o arranha-céu ainda no meio da jornada, estávamos exaustos. Num desalento que só as cantigas de fim de tarde.
Um pouco mais de dois anos após a caminhada de desbravamento urbano, no inverno de 2007, tive a oportunidade de assistir a um trecho do filme "Empire" de Warhol no MOMA. Filmado em vinte e quatro quadros por segundo, mas projetado a uma velocidade de dezasseis quadros por segundo, o filme faz com que a passagem do tempo, a mudança do dia para a noite tão significante nas nossas vidas, se torne imperceptível. Quase descartável. E então, chego a pensar se não é desta maneira que o tempo e as vidas por vezes se desenrolam, sem que a gente perceba, num atropelamento sutil e constante. E a realidade do cinema de Warhol é tão insuportável que você se vê tentado a deixar a sala escura... que você se vê, de repente, saindo calado e respirando com cuidado para que ninguém veja que você foi surpreendido pelo tédio. Assim, eu me vi.
Maneira seja que todos nós precisamos de um certo distanciamento para enxergar clareiras de dentro e de fora, ainda que a gente só consiga ver melhor as dos outros, de um tu. Pensando para frente num seguir-seguindo, vejo que eu ainda acredito que, por mais magnífica que seja a vista de cima, a carência de detalhes chega a ser um roubo, uma falta contra o órgão da visão. Contradigo. Porque de cima só se vê mesmo lonjuras e fabulações, o pó do homem. E eis que ficamos mais perto do céu e as questões metafísicas tomam conta, assim como a insegurança e tudo aquilo que desconhecemos, e que é muito - é horizonte. Vida generalizada. Vai ver não gosto da vista panorâmica das coisas e apenas isto inclusive.
Fiz a minha primeira visita ao Empire State Building acompanhada da minha família. A segunda e a terceira também. Dizem que Nova Iorque mudou profundamente depois do atentado de 11 de Setembro, e as medidas de segurança tornaram-se amargas, como um imposto novo em véspera de feriado ou um golpe na confiança das pessoas. Vê-se. A fila para se chegar ao ponto de onde tudo se observa é longa, interminável. As etapas, inúmeras, tramam contra a paciência e criam uma expectativa pesada, sôfrega. A segurança de guardas pátrios em um procedimento que se tornou de praxe. Lembro-me com tristeza que ao alcançar o topo, um grande número de pessoas espremidas se esforçavam para encontrar o melhor lugar. E só mesmo rindo, pois depois de entregue e já maravilhado com a vista, você é obrigado a conter o queixo caído e a postura porque alguém lhe pede licença para olhar ou ainda para que tire uma fotografia. E todo aquele espanto, aquele primeiro momento mágico de re-conhecer, desvanece rarefeito.
E assim me preparei ainda mais para as seguintes. Verificava o clima antes de sair de casa e avisava a todos com a esperança de que teríamos um bom dia, e de que ele não seria tão controverso quanto o filme do artista. Em uma das últimas vezes, lembro de ter visto no fim da página do weather.com, após o link com o horário em que o sol nasce e se põe, um destaque para a quantidade de horas restantes para o fim daquele dia. E de acordo com o website ainda tínhamos 5 horas e 15 minutos. Queríamos ver a passagem do tempo. Queria, eu, experimentar e revisitar esta minha relação ambígua, quase uma cisma, com a paisagem vista de longe. Porque no fundo eu adiava estas visitas por medo de gostar demais.


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