sexta-feira, 4 de junho de 2010

Fundo do poço: Israel foi parceiro até do Apartheid

Celso Lungaretti (*)
Em meio a temas palpitantes como o do acordo Brasil/Turquia/Irã que os EUA estimularam e agora torpedeiam, está passando quase despercebida a relevante informação de que Israel não só possui bombas atômicas aos montes, sem qualquer controle por parte de organismos internacionais, como andou tentando vender algumas ao regime segregacionista da África do Sul, em 1975. 

E, no fundo, os dois assuntos se completam: que direito tem os EUA de exigirem que o Irã se submeta a uma daquelas revistas policiais em que até os orifícios do corpo são verificados, enquanto um país useiro e vezeiro em barbarizar vizinhos não só dispõe de armamentos que ameaçam a humanidade, como aceita negociá-los com qualquer um?
Ao contrário das novas gerações, que identificam os judeus com as características odiosas que seu estado incorporou, eu conheço bem os belos sonhos de outrora, dos kibutzim ao Bund.
O primeiro era uma experiência na linha do chamado socialismo utópico: o cultivo da terra em bases igualitárias, sem patrão, sem privilégios, sem desigualdade.
Tive jovens amigos de ascendência judaica que falavam maravilhas dos kibutzim, mas, pacifistas, relutavam em ir para um país onde poderiam ser convocados a qualquer instante para batalhas.
O socialismo revolucionário, por sua vez, era representado pelo Bund, a União Geral dos Trabalhadores Judeus na Lituânia, Polônia e Rússia, que estava entre as forças fundadoras do Partido Social-Democrata, tendo participado ativamente das revoluções russas de 1905 e 1917.
O médico se tornou monstro

Na segunda metade do século passado, entretanto, Israel viveu sua transição de Dr. Jeckill para Mr. Hide. Virou ponta-de-lança do imperialismo no Oriente Médio, responsável por genocídios e atrocidades que lhe valeram dezenas de condenações inócuas da ONU.
Até chegar ao que é hoje: um estado militarizado, mero bunker, a desempenhar o melancólico papel de vanguarda do retrocesso e do obscurantismo.
Ter, ademais, oferecido-se para dotar o apartheid de artefatos atômicos supera a pior imagem que já tínhamos de Israel.
É a pá de cal, a comprovação gritante de que o humanismo não tem mais espaço nenhum no estado judeu. O povo que nos deu Marx, Freud e Einstein hoje produz mas é novos Átilas, Gengis Khans e Pinochets.
Quanto à notícia publicada há poucos dias pelo Guardian londrino e que tantos preferem ignorar, é a seguinte: documentos secretos da África do Sul obtidos pelo acadêmico estadunidense Sasha Palakow-Suransky, além de exporem essa parceria política nauseabunda, constituem prova documental insofismável do programa nuclear israelense, que se sabia existir mas o estado judeu insistia em negar. 

O Guardian divulgou inclusive um memorando do então chefe das Forças Armadas da África do Sul, general R. Armstrong, escrito no dia de um encontro entre os respectivos ministros da Defesa, Shimon Peres e Pieter Botha. Nele, o militar diz, de forma cifrada mas nem tanto, que, “considerando os méritos do sistema de armas oferecido [por Israel], algumas interpretações podem ser feitas, como a de que os mísseis serão armados com ogivas nucleares produzidas na África do Sul [grifo meu] ou em outro lugar”. 

O nome dos mísseis é "Jericó"
Em entrevista publicada nesta 6ª feira (28) pela Folha de São Paulo, o acadêmico Palakow-Suransky rebate a alegação de Shimon Peres, de que sua assinatura não consta das minutas das reuniões:
"...mas ela aparece no documento que garante sigilo para a negociação sobre a venda de mísseis Jericó. Os documentos mostram acima de qualquer dúvida que o tema foi discutido em uma série de encontros em 1975. As frases usadas para descrever as ogivas são vagas, o que é comum nesse tipo de negociação. A confirmação de que o governo sul-africano viu a discussão como uma oferta nuclear explícita está num memorando do chefe do Estado-Maior, R. F. Armstrong, que detalha as vantagens do sistema de mísseis Jericó para a África do Sul, mas só se os mísseis tivessem ogivas nucleares. É a primeira vez que aparece um documento com a discussão sobre mísseis nucleares em termos concretos. O acordo nunca foi fechado, mas a discussão ocorreu, e o alto escalão sul-africano entendeu a proposta israelense como oferta nuclear".
O schoolar acrescentou que há outras evidências de colaboração de Israel com o apartheid:
"As principais são a continuação do projeto dos mísseis Jericó na África do Sul nos anos 80, quando especialistas israelenses ajudaram a construir projéteis de segunda geração para carregar ogivas nucleares; e a venda de 'yellow cake' [concentrado de urânio] da África do Sul para Israel em 1961".
E avalia que suas revelações não são a principal evidência disponível de que Israel possui arsenal atômico:
"As fotos de Mordechai Vanunu [técnico nuclear israelense condenado por traição] em 1986 são muito mais definitivas. O significado dos documentos não é provar que Israel tem armas nucleares, o que o mundo todo sabe há décadas. A notícia aqui é que a possível transferência de tecnologia nuclear foi debatida no alto escalão".
E, acrescento eu, a notícia é que Israel se dispôs a transferir tecnologia nuclear para um dos regimes mais execráveis e execrado do planeta. Dize-me com quem andas...
Também me chocou constatar que a aprazível "cidade das palmeiras" do Velho Testamento, onde os judeus recompuseram suas forças depois da escravidão, agora serve para nomear as armas do Juízo Final.
É um simbolismo bem apropriado para sua travessia negativa, que parece não ter fim, no sentido da desumanidade.

Fonte: Pravda.ru

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