Oito anos à espera de Vénus
Guillaume Le Gentil nasceu em 1725, em França. Esteve para seguir a vida religiosa, mas acabou por se tornar astrónomo - um trabalho de paciência, virtude na qual se revelou mestre. Em 1761, embarcou para Pondichéry, um porto na costa de Coromandel, no Sudeste da Índia. O objetivo era fazer a observação astronómica do trânsito de Vénus - um fenómeno que ocorre quando a Terra, Vénus e o Sol se encontram alinhados, e portanto, visto da Terra, Vénus passa diante do disco solar, cobrindo uma pequena parte deste.
Isto ocorre a pares de oito anos, separados entre si por mais de cem anos. Por exemplo: houve um trânsito em 2004; antes desse, o último par de trânsitos teve lugar em 1874 e 1882. O próximo trânsito do nosso século (após o de 2004) está previsto para Junho de 2012. Depois disso, só em 2117 e 2125. Portanto, ver este fenómeno é uma oportunidade quase única na vida de um homem.
Voltemos ao nosso astrónomo. Quando o navio de Le Gentil se aproximava do seu destino, chegou a notícia de que os franceses e os ingleses tinham começado a guerra dos Sete Anos, e era perigoso navegar naquela costa. Assim, a decisão foi regressar. O nosso homem estava a bordo quando chegou o grande dia em que ia ser possível fazer a observação. Le Gentil beneficiou de um céu limpo, adequado ao seu trabalho. Só que, devido aos solavancos do navio, foi impossível fazer as observações.
Que fazer, então? Bem sei que os tempos eram outros, que o tempo tinha mais tempo, mas, ainda assim, acho isto espantoso. Le Gentil decidiu - uma vez que já estava no melhor local de observação do fenómeno - esperar oito anos até ao trânsito seguinte. Ninguém pode acusá-lo de não ser persistente.
Ruínas de Pondichéry, 1769. (O observatório de Le Gentil encontrava-se no edifício à direita do poste da bandeira)
Seja. O astrónomo francês entreteve-se a cartografar a costa de Madagáscar, depois percorreu o Índico, fez uma tentativa falhada de chegar às Filipinas. De regresso a Pondichéry, quase sete anos depois, Le Gentil construiu um observatório, e esperou. Esperou, e esperou, e por fim chegou o dia 3 de Junho de 1761. O tempo anunciava-se bom desde há alguns dias, mas, inesperadamente, na manhã crítica uma nuvem colocou-se em frente ao sol e impediu qualquer observação. Horas depois, a nuvem desapareceu, mas o trânsito já tinha terminado. A isto, chama-se azar.
Hoje em dia, este homem teria acabado num consultório de psicoterapia ou num programa de televisão. Mas estávamos no século XVIII e, passado algum tempo de merecido desespero, o astrónomo recompôs-se. Por essa altura, uma disenteria deixou-o de cama durante vários meses. Embarcou então de regresso a França; o navio onde seguia foi apanhado por uma tempestade perto do Cabo da Boa Esperança, e depois de rondar os Açores chegou finalmente ao sul de Espanha. Le Gentil atravessou os Pirenéus a pé, para descobrir, ao chegar a casa (mais de 11 anos tinham passado), que tinha sido declarado morto e que, como tal, tinha sido substituído em duas funções: como membro da Academia Real das Ciências, e como marido. A sua mulher (quem pode levar-lhe a mal?) tinha voltado a casar, e todos os seus bens tinham sido distribuídos pelos herdeiros. Seguiu-se uma batalha longa pela recuperação do seu património.
Se acham que esta é uma história de muito azar, aqui fica o final: Le Gentil voltou a casar e recuperou um lugar na Academia, passando a residir no Observatório Real. Viveu ainda vinte e um anos. As actas do Observatório incluem uma reclamação sobre a Sra. Le Gentil, que, ao que parece, pendurava as fraldas a secar nos jardins do Observatório.
A tentativa frustrada de Le Gentil para ver o eclipse figura na obra de Bill Bryson Breve História de Quase Tudo.
Fonte: http://obviousmag.org/
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