segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O cinema plástico de David Lynch

Inland Empire

“Loucura!”, “Insanidade!” e “Assustador!” foram os comentários que mais ouvi das pessoas ao meu redor durante as quase três horas de duração do filme INLAND EMPIRE (2006). Os poucos espectadores que restaram ao término da sessão não se contiveram e iniciaram uma torrente de perguntas entre si. Com filmes que deixam o convencional de lado e ultrapassam as barreiras da criatividade, David Lynch consegue causar medo com tomadas aparentemente banais e deixar dúvidas até onde não deveria. São inúmeras indagações que muitas vezes deixam a mensagem do diretor padecer no campo do ininteligível. Essa barreira, na opinião de Lynch, não existe. Segundo o próprio, em seu livro Catching the Big Fish, “(...) Algumas vezes as pessoas dizem que não conseguiram entender um filme, mas, na verdade entendem muito mais do que percebem”. Tal declaração, apesar de reconfortante, não convenceu por completo os insistentes fãs de seu trabalho.
Descendente de finlandeses, Lynch nasceu em 1964 numa cidade chamada Misoula, localizada no interior do estado de Montana, Estados Unidos. Sua biografia, ao que parece, não é tão “conturbada” quanto suas obras. É casado e pai de três filhos, sendo Jennifer Chambers Lynch a única mulher. Talvez a descendência feminina seja a que mais reverberou no mundo cinematográfico, pois é ela a autora do clássico Encaixotando Helena, um ícone do cinema cult trash. É óbvio que os genes tendenciosos para o bizarro foram herdados de seu pai.
Inland Empire
Eraserhead
Nos extras da versão remasterizada de seu primeiro longa-metragem, Eraserhead (1977), David Lynch conta que se inseriu no mundo artístico através da pintura. Acabou estudando na Academia de Belas Artes da Pensilvânia e apostou na carreira de artista plástico até ser seduzido pelo cinema, que, posteriormente, o fez reconhecido em todo o mundo. Todavia, um talento não anula o outro: seus primeiros trabalhos como diretor estavam, mais do que nunca, incrementados de referências puramente visuais, característica que o acompanhou durante toda sua trajetória e ainda se mostra presente em suas mais recentes obras. Citando um exemplo banal: o filme Eraserhead demorou mais de cinco anos para ser concluído por motivos orçamentários, mas Jack Nance, que interpretou o protagonista, manteve o excêntrico corte de cabelo durante todo esse tempo, mesmo com esporádicos dias de gravação. Decisão tomada em conjunto com o diretor que, ciente da complexidade de sua obra, acredita que uma simples alteração visual – o penteado – pode influenciar diretamente na interpretação do espectador.
Twin Peaks
Em Twin Peaks: Fire Walk With Me (1992), pressupõe-se uma relação com o quadro surrealista A reprodução interdita (retrato de Edward James), do artista plástico belga René Magritte. Na pintura, a figura de um homem olha para um espelho, que, por sua vez, reflete a mesma imagem que vemos, ou seja, o reflexo também está de costas. Já na cena de Twin Peaks, Dale Cooper, personagem do ator Kyle MacLachlan, olha para a câmera de segurança três vezes e corre para a sala de monitoramento, constatando, assim, que sua imagem permaneceu congelada. A sequência ficou famosa pelo que acontece logo depois: a primeira aparição do personagem de David Bowie, que transita indiferente à imagem estática. Alguns defendem que o circuito de câmeras de TV pode ser uma clara analogia ao espelho de Magritte, tanto por semelhanças visuais quanto pelo fato de que ambos quebram a lógica natural das coisas. É isso que deve se esperar de uma obra de Lynch, no mínimo.
Quem já assistiu Blue Velvet (1986), Lost Highway (1997) ou Mulholland Drive (2001) – com destaque para a cena do Club Silencio – deve deve ter notado o grande número de close-ups utilizados. Não falo de focalizar rostos, como em qualquer filme convencional, mas um zoom que se aproxima de um objeto até seu completo desfoque. Esse recurso quase sempre vem seguido do uso das cores vermelha ou azul. Qual o significado disso? Desvendar esta questão é um norte fundamental para a assimilação do conjunto.
Na época do lançamento de Mulholland Drive houve uma grande revolta vinda de espectadores que diziam não ter entendido o filme, além de não compreenderem o porquê de tanto espaço que a mídia destinou para tal. Para satisfazer as mentes mais confusas, Lynch redigiu uma lista com “dez dicas para ajudar a entender Mulholland Drive”, e duas delas se remetem a características de alguns objetos que aparecem durante o longa: o luminoso vermelho e a chave azul. Isso gerou tantas teorias por parte dos mais aficionados que já é senso comum achar que quando objetos azuis são enfocados, trata-se de um rompimento nas fronteiras entre o sonho e a realidade, já o enfoque no vermelho sinalizaria o regresso. Uma hipótese satisfatória, se em seu livro Catching the Big Fish, o diretor não dedicasse um (curto, porém inteiro) capítulo sobre essa questão, onde diz apenas uma frase: “(...) não faço ideia do que sejam”. Voltamos ao ponto de partida.
Mulholland Drive
Lynch quer libertar-nos dos padrões do cinema contemporâneo estimulando nossa imaginação. A essência de sua obra está fundamentada no fato de não interferir diretamente na interpretação de cada um, a fim de criar vários universos particulares. Parodiando a banda Depeche Mode, seria algo como “your own personal David Lynch” ou, “seu próprio David Lynch pessoal”.
 
 ASSISTA AO VÍDEO
 
 

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