domingo, 3 de outubro de 2010

A perspectiva do cinema - Mulheres na presidência

Nas eleições presidenciais do Brasil, o género esteve em destaque. Em 35 homens a exercer o cargo de presidente, desde o longínquo ano de 1889, a presença de duas mulheres de peso como candidatas à vitória fez recordar o percurso de Hillary Clinton, nas últimas presidenciais norte-americanas. E lembrou também o imaginário das mulheres poderosas no cinema e na televisão. O facto é que, perante a tomada de poder do que ainda é chamado “sexo fraco”, como não recorrer mentalmente aos exemplos da ficção?
Dilma Rousseff até tem o perfil certo para protagonista de uma grande produção de Hollywood. A sucessora de Lula da Silva esteve presa durante a ditadura militar e venceu um cancer da tiróide, antes de ingressar na lista à presidência. Marina Silva, a terceira colocada nas sondagens, não fica atrás na história de vida. Vinda do Partido Verde, a candidata foi Ministra do Meio Ambiente até ao ano passado. Com uma infância passada nas florestas do norte do país e analfabeta até aos 16 anos, Marina Silva personifica o percurso político de quem subiu pelo próprio pulso.
As damas principais deste baralho político estão bem longe de Leslie McCloud, mas não tão distantes assim de Mackenzie Spencer Allen. A saber, McCloud foi uma das primeiras personagens femininas no cinema norte-americano a ocupar o cargo de presidente (no caso, dos Estados Unidos). Já Mackenzie Allen foi a personagem interpretada por Geena Davis no seriado Commander in Chief (2005).
Leslie McCloud é personagem ignóbil para qualquer feminista. A actriz Polly Bergen dá corpo, em Kisses for My President (1964, Curtis Bernhardt), a uma personagem que acaba por abdicar do cargo da presidência devido à gravidez. A renúncia agrada particularmente ao marido, arrastado para cargo de “primeiro cavalheiro” e para um verdadeiro conflito interior de género. A mensagem da comédia de 1964 não podia ser mais clara: no conflito entre vida política e vida privada, as mulheres têm sempre que optar pela família.
Já a presidente representada por Geena Davis é bastante mais segura. Diz-se que a personagem foi inspirada por Hillary Clinton e que o seriado serviria como rampa de lançamento para a campanha presidencial da mulher de Bill. Campanha essa que se tornou realidade dois anos depois da estreia de Commander in Chief. No pequeno ecrã, a chefe de estado Mackenzie Allen era uma mulher decidida, que sabia balançar os dilemas pessoais com as decisões políticas. Mais ainda, o enredo do seriado valorizava a tomada de decisão feminina. Em vários episódios, as decisões de Mackenzie Allen são tomadas – e mais tarde provadas como certas – com base na experiência como mãe ou numa maior sensibilidade do que os protagonistas masculinos.
Um sinal dos tempos, sem dúvida. Da comédia de situação ao seriado dramático, as mulheres em carreiras políticas já são vistas como lugar-comum da ficção e da vida. No entanto, as narrativas cinematográficas enfatizam rotineiramente o lado da vida privada destas mulheres, como se o papel de esposa ou mãe fosse indissociável das funções do presidente. Não que não seja, já que o pessoal e o público são várias vertentes do mesmo indivíduo. Mas muitos dos presidentes masculinos do cinema são vistos apenas como animais políticos, sem vulnerabilidades pessoais e sem dilemas de conciliação entre a vida privada e a vida pública.
Um dos melhores exemplos para a distinta luz cinematográfica dada às mulheres na classe política é o filme The Contender (2000, Rod Lurie). Na narrativa, a senadora Laine Hanson é nomeada para vice-presidente e tem que prestar contas sobre acusações à sua vida pessoal, relativas a certos episódios sexuais do seu passado.
Contudo, as narrativas cinematográficas no feminino não se esgotam apenas nos Estados Unidos da América. No cenário sul-americano, Evita (1996, Alan Parker) mostra-nos a epopeia em torno de uma das mulheres que mais poder teve na opinião pública argentina. Eva Perón, com o simbolismo carregado no filme, tornou-se num mito ao qual nem de longe Cristina Kirchner, a actual presidente, se consegue comparar. Mais uma vez, o carácter sofredor e a esfera privada são mostrados como a base de toda a vida pública de Eva.
Do outro lado do Atlântico, The Queen (2006, Stephen Frears) apresenta um outro tipo de mulher com poder político. A Rainha Elisabete II surge como um misto de rigidez vitoriana, ancorada no passado, mas também com a ponta visível do iceberg das emoções e tragédias humanas. O dever público e as exigências privadas são o cerne de todas as acções e hesitações da personagem representada por Helen Mirren.
Na vida de todos os dias, aquela fora do grande ecrã da sala escura, resta saber o que acontece às mulheres nas esferas políticas. Serão aqueles “homens de saia” que tanto as acusam de ser? Tomarão mais decisões motivadas pela esfera privada e pelas emoções do que os seus colegas masculinos? Ou isso é só um mito da guerra dos sexos?
Uma âncora é certa, pelo menos. As Dilmas e as Marinas sobrevivem num “mundo de homens”, para além das expectativas criadas pelo cinema e pelos media. À competência política o escrutínio público levanta questões de ordem privada e pede, de preferência, uma história de vida capaz de competir com a das heroínas do cinema.

Fontes das imagens: 1 e 4, 2, 3.

Fonte: http://obviousmag.org/

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