segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Bispo recusa comenda do Senado Federal em protesto

Por ANTONIO CARLOS LACERDA
BRASILIA/BRASIL - PRAVDA.RU


No Brasil, o já desmoralizado Senado Federal, foi humilhado por um bispo da Igreja Católica Apostólica Romana, que compareceu à solenidade de entrega da Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, mas, se recusou a recebê-la, proferindo um discurso fulminante, recheado de linguagem bíblica com violência e veemência verbal, contra senadores e políticos corruptos.

O ato de coragem e ética foi do bispo de Limoeiro do Norte, no Ceará, Nordeste do Brasil, dom Manuel Edmilson da Cruz, de 86 anos, que recusou a comenda em protesto contra o aumento de 61,8% aos parlamentares aprovado pelo Congresso Nacional e a expectativa de apenas 8% no salário mínimo da grande massa trabalhadora brasileira.

Dom Manuel Edmilson da Cruz era um das cinco pessoas agraciadas com a comenda, que o Senado Federal conseguiu entregar apenas às outras quatro homenageadas: Marcelo Freixo, Wagner de La Torre, Antônio Roberto Cardoso e dom Pedro Casaldáliga, outro bispo da Igreja Católica Apostólica Romana que, por motivo de doença, enviou um representante.

Depois de criticar o não pagamento de precatórios, o baixo valor das aposentadorias, os salários mínimos "que crescem em ritmo de lesmas", dom Manuel lembrou o aumento dos parlamentares e o efeito cascata que a decisão deverá impor nos Estados e municípios.

No último dia 16, os deputados federais aprovaram, em tempo recorde, o próprio reajuste salarial de 61,8%, aumentando o vencimento do Congresso Nacional de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil. O aumento salarial também englobou o do presidente da República (133,9%) e vice-presidente (148,6%).

Os deputados passaram dos atuais R$ 16,5 mil mensais para R$ 26,7 mil, enquanto que o salário mínimo vai passar de R$510,00 para R$540,00, o que significa um aumento de somente 8 %. Uma Vergonha Nacional!

"O povo brasileiro, hoje de concidadãos e concidadãs, ainda os considera Parlamentares?", indagou dom Manuel. "Quem assim procedeu não é Parlamentar. É para lamentar", fulminou o bispo.

"A Comenda hoje outorgada não representa a pessoa do cearense maior que foi Dom Hélder Câmara. Desfigura-a, porém. Sem ressentimentos e agindo por amor e com respeito a todos os senhores e senhoras, pelos quais oro todos os dias, só me resta uma atitude: recusá-la. Ela é um atentado, uma afronta ao povo brasileiro, ao cidadão contribuinte para o bem de todos com o suor de seu rosto e a dignidade de seu trabalho".

Dom Manuel acrescentou que, se aceitasse a homenagem, estaria agindo contra os direitos humanos. "O aumento a ser ajustado deveria guardar sempre a mesma proporção que o aumento do salário mínimo e o da aposentadoria. Isso não acontece! O que acontece é um atentado contra os direitos humanos de nosso povo".

O discurso foi encerrado com um pedido para "se desfazer o erro". "Deve-se retroceder", concluiu o bispo, indicado para a premiação pelo senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), que justificou a escolha apontando a dedicação do bispo à defesa dos pobres, fracos, oprimidos.

Dom Manuel Edmilson da Cruz disse, também, que "Votar em político corrupto é votar na morte". O aumento salarial de 62% que os parlamentares deram a si mesmos é, para o bispo dom Manuel Edmilson da Cruz, equivalente a um crime com morte.

Enquanto a cerimônia ocorria no plenário do Senado, um grupo de estudantes protestava do lado de fora do Congresso também contra o aumento dos salários.

Leia, abaixo, trechos de uma entrevista de dom Manuel Edmilson da Cruz ao Terra Magazine.

Por que o senhor decidiu recusar o prêmio e fazer esse protesto em Brasília?

Dom Manuel Edmilson da Cruz - É muito claro. Quando você pensa nos brasileiros contribuintes, todos nós pagamos. Tiramos do nosso suor, do nosso trabalho, da nossa vida. Esse é um direito do contribuinte. E dizer que é uma homenagem a Dom Helder é outra coisa aberrante. Porque Dom Helder jamais pensaria assim. A vida dele foi o contrário de tudo isso.

E como foi a reação dos senadores?

O senador Cristovam Buarque aplaudiu assim que ouviu. Mas pouca gente estava lá. Outros fecharam um pouco o rosto e não gostaram, não! Acharam que não era o caso de dizer aquilo lá naquela ocasião. Mas a ocasião era aquela exatamente.

Por que o senhor foi a Brasília mesmo sabendo que não ia aceitar a homenagem?

Porque, se eu não fosse, não haveria o que houve. Não haveria uma palavra representando todo o povo brasileiro. O povo todo disse que aquilo sim era a palavra deles. Que eles se sentem felizes sendo cristãos por causa disso. Então o momento era aquele mesmo. Mas não é coisa arrogante, não. Eu falo é por amor.

O senhor acha que as pessoas deveriam protestar mais?

Acontece que, tirando exceções, a nossa política não pensa em povo. Pensa em época de eleições de um modo falso. Conhece os problemas, mas em teoria.

O senhor tem 86 anos. Já houve outras situações que o indignaram tanto?

Sim. É uma coisa muito pesada, mas eu já disse isso em Câmara, em Assembléia... Que votar em político corrupto é votar na morte. Isso está provado mais uma vez. Esses milhões que eles tiram da saúde estão matando gente. E na educação? Quando o menino não tem coisa para comer, mata a educação. E o transporte? Nas estradas todo o dia perdem a vida, os trechos esburacados. A pessoa perde a vida e o bandido leva o carro dela. Isso são crimes. Eu tenho aqui no bolso, vou ler para você a palavra de Deus, escrita há séculos. (Faz uma pausa para ler).

Eclesiastes capítulo 34, versículos 25 a 27: O pão dos indigentes é a vida dos pobres. Quem dele os priva é sanguinário. É assassino do próximo quem lhes rouba os meios de subsistência. Derrama sangue quem priva o assalariado de seu salário. É isso que está acontecendo.

Em que outros casos o senhor ficou tão indignado como dessa vez

O caso do Paulo Maluf, por exemplo.

É um celerado (sinônimo de criminoso). Eu não julgo a pessoa, pode ser até um santo filho de Deus, mas o que ele faz... Não é só de um cinismo. É celerado aquilo ali. O presidente do Senado (José Sarney), por exemplo. É um grande homem, mas tem aquelas acusações. Eu o admiro muito, mas o colocaram no Amapá. O que é que ele tem a ver com o Amapá? A família dele hoje também tem as mesmas consequências desastrosas. Eu estou falando assim com muita veemência, mas é também com muito amor. Rezo por ele todos os dias.

Mas o que falou que aconteceu no Maranhão?

Eu estava lá quando era bispo novo e ele (Sarney) ainda era governador. Ele desbancou lá. Estava fazendo aquilo que ele faz hoje, mas muito pior. Isso é que acaba com a vida de cada cidadão. Tem gente morrendo por causa disso. O SUS (Sistema Único de Saúde) é uma coisa maravilhosa, mas tem gente que espera dois anos para ser atendido e morre. Então é assassino mesmo. Não matou diretamente com um punhal, mas matou num processo que a pessoa nem percebeu. É pesado demais isso, eu fico morrendo de pena disso.

O senhor está otimista com o novo governo, que começa ano que vem?

Eu espero que sim. Eu não sou partido nem candidato, minha função é outra. Nem todo bispo pensa assim não, mas eu sustento que entre uma Igreja e poderes não pode haver ligação. Deve haver, sim, colaboração para o bem de todo o povo.

Então o senhor não gostou do que houve na eleição, quando vários religiosos tentaram influenciar o debate?

Não é função deles, não. Eu até entendo, mas na época de eleição lançar o problema do aborto... Foi uma coisa pouco pensada. Eu sei que foi com a melhor das intenções, mas não era o caso, não era o momento.

Até mesmo a orientação do Papa, que disse que a Igreja deveria dizer para os fiéis não votarem em quem fosse a favor do aborto?

Naquela hora não era para ser dito. Quando houve a Segunda Grande Guerra, houve aquela palavra forte do Papa Pio XI, a encíclica Mit brennender Sorge (que condenava o nazismo). Quando ela chegou à Polônia secretamente, o cardeal Adam Stefan Sapieha mandou queimar a palavra do Papa. Tem que dizer as coisas no momento exato. O cardeal nunca foi contra a palavra do Papa, mas ele viu que não poderia fazer aquilo porque iria haver muitas mortes contra os cristãos na Polônia. Então ele queimou na hora.

ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU no Brasil. E-mail:- jornalistadobrasil@hotmail.com

fonte: pravda.ru

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