terça-feira, 6 de setembro de 2011

Astrônomo brasileiro explica como descobrir estrelas

Combinação de três imagens mostra localização das novas estrelas nos quadros superior e
inferior. No quadro ampliado central, o aglomerado do qual os astros massivos se afastaram.
Alexandre Roman Lopes se dedica a caçar estrelas. Radicado no Chile, onde dá aulas e realiza pesquisas na Universidade La Serena, ele acaba de descobrir duas bem raras, cada uma com o equivalente a 80 massas solares.

Mas ao contrário de Cristóvão Colombo, que (dizem) chegou à América ao acaso, para descobrir estrelas não basta apontar um telescópio para o céu e esperar que os astros deem o ar da graça. É preciso saber onde e como olhar. Para Alexandre, a busca começou dois anos atrás.

Doutor em astronomia pela Universidade de São Paulo, sua linha de pesquisa é a descoberta e caracterização de aglomerados de estrelas massivas: "estrelas gordinhas", brinca ele, em entrevista concedida ao Terra. Trata-se, na verdade, de estrelas de muita massa e luminosidade, com uma composição incomum de gases e metais que podem ajudar a entender a origem do universo e da vida.

Estrelas massudas

O par de estrelas descobertas por Alexandre com a ajuda dos colegas Rodolfo Barba e Nidia Morrell são espécimes raros em um lugar improvável, e são as de maior massa já encontradas pelo brasileiro, que até então, havia descoberto estrelas com até 50 vezes a massa do sol. Apenas isso já serviria para classificá-las como raras, mas elas ainda estão isoladas do centro onde foram criadas, outra situação pouco comum.

As estrelas WR20aa e WR20c provavelmente se afastaram do aglomerado após perturbações gravitacionais e seguiram uma trajetória de afastamento do grupo. O surpreendente é que elas não tenham se desintegrado no caminho. "Esses objetos vivem pouco, na escala de duração do universo" diz Alexandre, que depois de explicar que a palavra mais correta para se referir a estas estrelas seria "massudas", continua se referindo a elas como "massivas", termo mais usado.

"Elas produzem uma quantidade tão grande energia que elas esgotam seu combustível de forma muito rápida", explica. Os dois corpos identificados pelos pesquisadores não devem ter mais de 2 milhões de anos, e de acordo com o astrônomo, elas não terão uma vida muito mais longa que isso. A descoberta de Alexandre é um grande feito em sua carreira e, a partir de sua história, podemos montar um passo-a-passo para quem quiser descobrir a sua própria estrela.

Aposte no conhecimento "inútil"

Alexandre, que também é físico, já deu aulas para o ensino médio em São Paulo e cansou de ouvir perguntas de alunos desanimados sobre porque estudar matemática, física, biologia, essas "coisas que eu nunca vou usar na vida", diziam os estudantes. "A ciência pura dá resultados a longo prazo", responde o astrônomo. Para ele, o Brasil ainda tem uma visão atrasada. É bastante óbvio que os Estados Unidos não gastam bilhões de dólares para mandar o telescópio Hubble ao espaço para fazer fotos bonitas. "Eles sabem que conhecimento científico gera poder econômico, militar e de todo tipo" diz Alexandre.

Consiga tempo em um telescópio

Para descobrir uma estrela você provavelmente vai precisar de um telescópio profissional, e estes equipamentos ficam sediados em instituições que decidem com cuidado quais projetos merecem ganhar o dinheiro de gastar US$ 15 mil dólares por noite em observações espaciais. Por isso, as propostas apresentadas devem ser relevantes e embasadas.

Alexandre realizou uma extensa pesquisa antes de submeter seu projeto à universidade chilena. Ele chegou a encontrar diversos registros da zona que ele gostaria de observar, e foi em documentos da base de dados do ESO (Observatório Europeu do Sul) que ele identificou os dois corpos que suspeitou serem estrelas massivas. "Então alguém que coletou esses dados no passado não se deu conta do que tinha na mão", diz Alexandre, que reconhece que eram necessárias habilidades e conhecimentos prévios para ver nos documentos de cinco anos de idade os indícios das estrelas que ele buscava.

A partir destes dados e com embasamento teórico - além de um método criado pelo próprio cientista para aprimorar a seleção de corpos com potencial de serem estrelas massivas - ele pôde submeter um projeto observacional à comissão de especialistas que lhe concedeu tempo no telescópio chileno. Com os novos dados obtidos - de melhor qualidade que os do ESO - ele pôde detectar a luz das duas novas estrelas.

Apenas o início

A descoberta é um marco importante, mas por mais que pareça o fim de um longo processo e de muitos estudos, é apenas o ponto de partida para investigações mais profundas. A importância de analisar estrelas raras como as encontradas por Alexandre é que nelas podem ser estudados diversos mecanismos de formação e evolução dos astros. Se as estrelas comuns já são bastante conhecidas pelos cientistas, as massivas e outros tipos raros ainda escondem mistérios que podem ajudar na compreensão do universo. As "estrelas gordinhas" de Alexandre provavelmente serão estudadas por outros pesquisadores. O brasileiro precisa apontar o telescópio na direção de novas descobertas.


Terra
jornalvarginhahoje

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