terça-feira, 2 de março de 2010

Diante do desafio chinês


Mauro Lourenço Dias (*)

Talvez tenha passado despercebida a advertência feita pelo diretor do Programa sobre a China da Universidade George Washington, professor David Shambaugh, que estuda a questão chinesa há 35 anos, em palestra feita em São Paulo em 2009, segundo a qual o Brasil deveria estabelecer um plano estratégico para o seu relacionamento comercial com a China. Para o especialista, se o Brasil não considerar com prioridade o seu interesse nacional, deixando-se levar apenas pelos números de seu comércio com a China, pode se transformar em neocolônia.



Os números disponíveis do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) mostram que, apesar da crise econômica, as exportações para a China cresceram 64,7% nos primeiros quatro meses de 2009, comparadas ao mesmo período de 2008. Entre março e abril de 2009, pela primeira vez, a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil. Olhando-se a questão pelo viés nacionalista, pode-se imaginar logo que o professor norte-americano esteja apenas destilando o resultado de uma dor-de-cotovelo por ter sido o seu país desbancado pela China em seu relacionamento comercial com o Brasil. Mas em relações exteriores esse tipo de sentimento não ajuda. Pelo contrário.



Ao Brasil, não interessa virar neocolônia da China nem dos Estados Unidos, como diziam que éramos na década de 1960 os inflamados estudantes da Rua Maria Antônia. Nem de país algum. Também não se pode optar pelo outro lado da moeda e passar a culpar a China por tudo o que de mal pode vir a acontecer no cenário econômico do País. Ora, a China precisa de matérias-primas e sai a campo em busca de quem possa supri-la. Tem recursos e pode assumir os custos da compra. Se isso vai transformar o Brasil em neocolônia e sucatear o parque industrial brasileiro ou não, é problema do Brasil. Não é problema chinês.


Na era da globalização, a competição é a norma. Se o Japão e Estados Unidos competem com a alta qualidade de seus produtos, a China entra com o baixo custo da sua mão-de-obra. Faz parte do jogo. E o Brasil? Bem, o Brasil, como dispõe de matéria-prima, não vai deixar de vendê-la para a China. O que precisa é se preocupar em melhorar a competitividade de seus produtos, o que significa atacar o chamado custo Brasil.
Se não desatar esse nó-górdio, a tendência do Brasil é vender cada vez mais matéria-prima, correndo o risco de seguir o caminho de Chile, Venezuela, Argentina e outros países latino-americanos cujos mercados estão amplamente dominados pelo produto chinês. Desses países, está cada vez mais difícil trazer uma lembrança típica porque tudo o que suas lojas vendem são produtos made in China.


Há um ano a FGV Projetos divulgou um estudo com projeções até 2030, sugerindo que as exportações brasileiras crescerão a uma média de 1,8% ao ano, enquanto as importações mundiais devem evoluir a 3,7% ao ano. Os analistas levaram em conta um crescimento do PIB brasileiro de 4,6% ao ano e aumento de 4% no consumo. Mesmo assim, as exportações de manufaturados cresceriam apenas 2,7% ao ano, ritmo abaixo do aumento das importações mundiais.
De acordo com as projeções, em 2030, as importações de manufaturados deverão crescer a uma taxa de 5,6% ao ano no Brasil. O estudo prevê que, em 2030, as importações mundiais de manufaturas totalizariam US$ 19,6 trilhões. Nesse cenário, o Brasil teria uma participação de 0,9% com exportações de US$ 182,6 bilhões. Ou seja, a nossa participação, que hoje é de 1,1% do valor global das importações mundiais de manufaturas, seria ainda mais reduzida. Em compensação, haveria um crescimento vertiginoso na venda de produtos básicos, o que poderia compensar a deterioração do saldo comercial, que hoje já é visível.



É possível que a indústria brasileira se volte com maior ênfase para o mercado doméstico, mas nada garante que serão as indústrias aqui instaladas que irão atender às necessidades internas. Se a manufatura nacional perde competitividade, obviamente, o produto estrangeiro começa a ocupar o espaço. O que fazer para reverter essa tendência? Eis o que se gostaria de ver contemplado nos programas de governo dos candidatos que se apresentam com maiores chances de chegar à presidência da República.
Todo mundo sabe que a falta de competitividade da manufatura nacional se dá por uma conjunção de fatores, como custo crescente de energia, gargalos em infraestrutura, sistema tributário escorchante e pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento. Só que ninguém sabe como resolver essa questão. Nem mesmo os candidatos, pois nada falam sobre isso.


(*) Mauro Lourenço Dias é vice-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP, e professor de pós-graduação em Transportes e Logística no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


E-mail: fiorde@fiorde.com.br
Site: www.fiorde.com.br



Pravda.ru

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