O paradigma do butão
Reino feudal dos Himalaias, último reduto do Budismo Mahayana, independente desde 1947, encravado entre a China e a Índia, com perto de 800 mil habitantes, alicerçado numa economia baseada na agricultura, criação de animais, extração florestal e na venda de energia hidroelétrica para a Índia e numa sociedade simultâneamente patriarcal e matriarcal, onde o membro que detém a maior estima é considerado o chefe da família, o Butão, inventor do conceito de "Gross National Happiness" (GNH), ocupa o 8º lugar no Worl Map of Happiness e o 13º no World Colour-Coded HPI.
Varrido por uma onda de modernidade decretada pelo seu líder secular, tornou-se um case study para economistas, psicólogos, antropólogos e sociólogos: resistirá o "Reino do Dragão Trovejante" e o seu GNH aos ventos democráticos e de modernidade auto-impostos e à incómoda e crescente contestação dos seus 125 mil "imigrantes ilegais"?
O Reino do Butão, também conhecido como "The Last Shangrila", iniciou nos últimos anos, de forma cautelosa mas intencional, uma abertura ao mundo: em 1999 a televisão, incluindo as estrangeiras por cabo, foi autorizada. Seguiu-se a Internet e o governo encara mesmo a hipótese de aderir à Organização Mundial do Comércio já que, segundo o World Bank, o Butão deverá nos próximos anos registar um crescimento na ordem dos dois dígitos: o rendimento per capita do Butão situa-se nos 1300 USD e é hoje umas das economias com crescimento mais acelerado em toda a Ásia do Sul.
O governo tem investido na modernização do reino, implementando sustentadamente as áreas da saúde, da educação e da exploração do seu único recurso natural abundante: a água que escorre das vertentes dos Himalaias que serve para alimentar centrais hidroelétricas, suprindo as necessidades energéticas do reino, e ainda exportar a maior parte da energia para a Índia, exportação sustentada por um plano hidroenergético nacional tão ambicioso quanto proveitoso.
Com base nestes investimentos os indicadores sociais dispararam nas últimas décadas: a mortalidade infantil foi reduzida e os indicadores de frequência e sucesso escolar cresceram a olhos vistos. A indústria continua porém a ser praticamente inexistente mas o turismo dá os primeiros passos, embora os turistas continuem a ser escoltados sempre que se deslocam de estância turística para estância turística.
Acontece porém que o Rei Jigme Singye Wangchuck depois de ter criado e implementado em 1972 o revolucionário conceito de "Felicidade Interna Bruta" (GNH), o que torna o Butão o único país do mundo a medir a felicidade dos seus cidadãos, apostou no final da década de 80 numa purga étnica consubstanciada na máxima "uma nação, um povo", cedeu parte dos seus poderes ao primeiro-ministro e fez aprovar em 2005 uma nova Constituição, transformando a monarquia absoluta em monarquia constitucional, democratizando o país.
O Rei pretende agora abdicar do trono em favor do seu filho, o Príncipe Jigme Khesar Namgyal Wangchuck, convocar eleições para 2008, numa atitude sem precedentes com a qual obrigou os seus incrédulos e relutantes súditos a formar partidos políticos para concorrerem às eleições e assim instituir no Butão uma Democracia Parlamentar... por decreto régio.
Por vontade expressa de Sua Majestade os cidadãos foram "convidados" a formar quatro Partidos para treinarem o exercício dos seus direitos democráticos e procederem a um simulacro-treino de eleições democráticas: o "Druk Azul" que prometia lutar contra a corrupção e implementar os cuidados gratuitos de saúde e educação, o "Druk Vermelho" que prometia a industrialização, o "Druk Verde" que defendia um desenvolvimento económico em consonância com o ambiente e o "Druk Amarelo" que pugnava pela preservação e promoção da tradição e da rica herança cultural do Butão. Sem surpresas e sem esforço o "Druk Amarelo" ganhou o escrutínio com mais de 44% dos votos expressos, demonstrando cabalmente que o apego "às coisas como estão" é claramente dominante nas opções de vida dos butaneses.
As públicas virtudes têm, porém, quase sempre, pés de barro e toda esta febre de abertura democrática é fortemente criticada e contestada pelos refugiados étnicos butaneses, na sua maioria de etnia nepalesa, que foram escorraçados em 1991 do Butão para campos de refugiados da UNHCR no Nepal, ao abrigo da política "um povo, uma nação", e que sofreram e continuam a sofrer na pele o epíteto de "imigrantes ilegais" que o governo do Butão lhes colou à pele como um estigma.
Com uma economia saudável qbp, qualidade de vida aparentemente invejável, futuro a priori promissor, quem é que se vai importar com duas no cravo do "povo" e três na ferradura dos "imigrantes ilegais"? Ai ai , para onde caminhas tu, Butão...?
Fonte: http://obviousmag.org/
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